Dentro da chamada arquitetura canônica, um dos primeiros tratados a se conhecer é aquele de Vitrúvio. Para além de discorrer sobre a formação intelectual e cultural, interesses e sensibilidade do arquiteto, ou sobre a tríade “sagrada” da arquitetura – venustas, firmitas e utilitas (beleza, solidez e funcionalidade) –, o tratado descreve um método projetual, uma espécie de manual para a construção romana à época. Sabidamente complexa e sofisticada, a arquitetura romana apresentava uma variedade de edifícios com funções diversas. Entre eles, as termas, que não escaparam às prescrições vitruvianas.
Apesar de dedicar grande parte do tratado às construções e materiais, o livro VIII trata da água: como captar e armazenar água, e as construções arquitetônicas que servem a esse propósito. A captação de água era realizada por meio de fontes naturais e aquedutos – exemplos da engenhosidade romana que ainda impressiona a contemporaneidade –, garantindo o suprimento necessário para os complexos termais. Em geral, as termas possuíam piscinas internas, e se utilizavam do vapor da água para aquecer os ambientes.
As termas romanas eram conjuntos públicos para banhos, embora envolvessem outras atividades atreladas a elas. Esse programa era uma parte importante da vida social, e ainda que o costume e a tipologia existissem desde a Antiguidade grega (em torno de 2000 AC), os romanos “padronizaram” a construção a partir do Império (por volta de 30 AC), e suas ruínas são o registro histórico de seu tempo.
O tratado de Vitrúvio sugere a orientação do edifício em relação ao sol para contribuir com a temperatura de cada sala, bem como a proximidade dessas às caldeiras que alimentam cada uma. Os banhos eram separados por gênero, e uma das premissas vitruvianas para a eficiência da distribuição é uma planta relativamente simétrica para que as caldeiras sirvam às salas masculinas e femininas sem precisar vencer grandes distâncias, o que também dissiparia o calor.
Portanto, estrategicamente posicionadas próximas às áreas de banho, essas caldeiras – três, que continham água quente, tépida e fria, e que eram posicionadas de forma que, caso necessário, se abastecessem mutuamente, da fria à quente – eram responsáveis por fornecer calor através de sistemas de circulação de ar. Dessa forma, era possível controlar a temperatura das salas, proporcionando uma experiência agradável para os banhistas.
O programa possuía três salas de banho principais, e as demais atividades que se desenvolviam em torno delas: tepidário, caldário e frigidário. Salas morna, quente e fria, respectivamente. O tepidário era um salão semi-aquecido, que podia ser considerado um ambiente de transição ou ambientação para que banhistas não sofressem um choque térmico abrupto de um ambiente a outro. Em geral, estavam localizados entre o apotidério – espécie de vestiário onde banhistas despiam-se e armazenavam suas roupas – e o caldário. O aquecimento do recinto era feito através de piso elevado, sob o qual circulava o calor gerado pela caldeira de água morna.
Já o caldário era o ambiente com a temperatura mais elevada, e funcionava como uma sauna úmida. O aquecimento seguia o mesmo princípio do tepidário, e nas extremidades da sala estavam dispostas uma bacia com água fria para alívio do calor excessivo e uma pequena piscina para imersão. Alguns caldários também eram adjacentes a uma sauna seca, o chamado lacônico. Eram salas circulares em formato de tronco de cone, de cuja abertura superior pendia um anteparo de bronze com brasas, e que podia ter sua altura regulada para alterar a temperatura de acordo com o desejado. O frigidário, por sua vez, continha uma piscina de água fria, e, ao que tudo indica, era a etapa final do processo de sauna.
As termas romanas não se limitavam aos banhos, mas conjuntos de atividades, reforçando seu aspecto social. Além das atividades de banho e sauna, as termas ofereciam ambientes para exercícios físicos – a palestra, arena central destinada a exercícios físicos ou promenade dos visitantes – e espaços de lazer, como jardins e bibliotecas. Esses complexos termais eram circundados por comércios, e o todo reforça o aspecto de convívio e interação social à época.
A estética das termas romanas também era um elemento de destaque. Os edifícios eram adornados com elementos decorativos, como mosaicos, afrescos e estátuas. Já que o conjunto também cumpria com a função de local de estudo, a fruição artística fazia parte desse do programa de necessidades das termas. Ou seja, as termas eram uma espécie de centro comunitário, espalhavam-se pelas cidades em diferentes tamanhos e configurações programáticas, e cumpriam o papel de ponto de encontro entre pessoas, à maneira de uma praça, museu ou clube modernos.
É interessante pensar que um único programa reunia aspectos tão diversos que acabaram separados na modernidade. As diferentes atividades que se desenrolavam em torno das termas também demonstram o peso cultural do banho para aquele grupo social. Retornando a Vitrúvio, a importância do elemento água se declara não apenas em seu tratado, mas na organização da sociedade romana na época do Império. Embora muitas termas romanas tenham sido perdidas ao longo dos séculos, as ruínas seguem como testemunhos impressionantes do legado arquitetônico romano, sua organização e soluções construtivas.
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